quarta-feira, 24 de junho de 2020

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[Os nossos aniversários deveriam ser o nosso funeral em vida.
Eu explico. É ingrato que o momento de maior apreciação das pessoas seja no momento em que as pessoas já não estão cá. Eu percebo que o tributo também é importante, mas não será mais importante mostrarmos em vida a importância dos outros para nós ao longo da vida?]

segunda-feira, 22 de junho de 2020

Ditadura da felicidade


Tenho que começar por dizer que nunca vi nenhuma novela ou peça do ator Pedro Lima, mas apesar disso é impossível não empatizar com toda a situação e lamentar o que aconteceu, independentemente do que tenha sido, questionar sobre o porquê e tentar perceber a causa das coisas.
Fica difícil perceber o que pode levar alguém com 5 filhos, numa relação estável, bem sucedido a nível profíssional a fazer isto, caso seja verdade o que se diz e tenha sido intencional. Quando li a notícia pensei, de facto, num acidente relacionado ao surf, sabemos que o mar pode dominar até os mais experientes, mas surgindo a dúvida de que possa não ter sido é também difícil não tentarmos perceber o porquê.
Nunca iremos saber concretamente, nunca conheceremos com certeza o trigger point que leva alguém a desencadear esta ação. É uma situação ingrata sobretudo para quem fica, que se questiona do porquê de não ter sido melhor, da relação e dos laços que tinham não ter sido o suficiente para que a pessoa quisesse viver, estar cá, o que é um mau pressuposto, acredito que não terá a ver com os outros mas com o que se passa em cada um de nós.

Sinto que vivemos numa ditadura da felicidade onde todos têm que mostrar estar felizes e isso é bastante enganador. Se olharmos para as redes sociais do Pedro julgamos ver uma vida plena, uma felicidade initerrupta, projetos e sonhos de quem tem já quase tudo e pode descansar numa fase da vida em que o mar está calmo, colhendo os frutos de anos de sucessos. Afinal, mal sabíamos o quanto o mar estava picado, bravo e a arrebentação esta forte e descontrolada.

Uma coisa péssima destas redes sociais e dos influencers, por exemplo, é que passam a ideia de vida perfeita, todos os dias postam massivas fotos de sorrisos, que para mim não poderiam ser mais falsos e enganadores. Tenho para mim que deva ser extremamente difícil aparentar que se está feliz sempre. Podes morar num hotel, tomar o pequeno-almoço na esplanada da piscina todos os dias, estarmos nos melhores sítios e comermos os melhores brunches, que é impossível estarmos felizes sempre e eu julgo algumas pessoas com as quais me cruzo nas redes sociais por quererem passar uma imagem que não é real, porque também estão a contribuir para que os jovens terem standards de comparação que não existem, que não são reais e que deve gerar uma frustração que não faz sentido. As mulheres não são todas magras, ter um iphone não é sinal de riqueza, ter seguidores não é sinal de se ser brilhante.
Há uma influencer que é a Vanessa Alfaro, que eu não sigo exatamente por isso, todas as 300 mil fotos que tem são a rir-se como se o Jimmy Fallon lhe tivessem acabado de contar a piada mais engraçada dos Monty Python, que soa tão a falso que eu não sei como podem ter tantos seguidores a acreditar numa mentira. É simplesmente falso o que estas pessoas querem fazer passar: "Olha para mim tão feliz a acabar de acordar", "olha para mim tão feliz a comer esta fatia de bolo de farinha de espíritos da tailândia, que não tem glúten, é super proteico e sabe a toalha molhada que secou dentro de casa", ou "olhem para mim tão feliz com esta máscara facial na cara, ah ah, que esta pele imaculada merece uns miminhos", "olha para mim tão feliz e a olhar para as estrelas, assim super apanhada de surpresa e por sorte no meu melhor ângulo". Pode ter-se tudo na vida, mas esta pressão da melhor foto do pequeno-almoço de hotel deve exigir-lhes tanto que quando vão comer já está frio, que o bolo fit que quer fazer transparecer uma vida super equilibrada sabe no fundo a esferovite seca, mas não faz mal que quem vê as fotos não sabe, o que importa é que pareça delicioso e que tenha no enquadramento flores e abacate e sementes de uma figueira do Pará. É, no fundo, um hino à felicidade e perfeição que não existe, com as quais as pessoas que seguem, os jovens que se estão a formar não se devem querem comparar porque é falso. Porque te obriga a postar sorrisos falsos só porque a Colgate te mandou para casa uma amostra grátis, mesmo que naquele dia se esteja chateada, doente ou aborrecida.  
Se há coisa que eu prezo é ter crescido longe das redes sociais. Adoro olhar para trás e perceber que vivemos, dançamos, convivemos com o simples propósito de estarmos lá, sinto que agora se vive para aparentar felicidade,  não tanto para "estar na festa" mas para "mostrarmos que estamos na festa", será que me entendem?
Por exemplo, não há nada melhor do que estar numa queima das fitas para se estar, efetivamente, na festa, no espírito, sem nos preocuparmos o que os outros acham. Não há melhor do que se estar numas férias, para estar de férias e não com a preocupação de mostrar que estamos num sítio incrível. Estamos a perder algumas coisas com as redes sociais, elas têm imensas coisas boas atenção, mas acho que coloca o nosso foco mais no exterior e com os outros e fazemos menos este trabalho interior de percebermos se está tudo bem connosco. As redes sociais colocam-nos em contacto com o mundo mas também têm este lado perverso de nos colocar em posições fúteis em dilemas estúpidos e contra mim falo, é estúpido pagarmos um ingresso de um concerto e passarmos todo o tempo a ver o concerto através do telemóvel, é ridículo, por exemplo, ou tirar foto ao ticket do filme. Vamos ver o filme porque queremos ou para mostrar que fomos? Vamos dizer a nós próprios que queremos documentar o momento, mas será mesmo?
Enfim, cada um saberá das suas lutas e acredito que todos temos as nossas, por isso é  importante se acabar com uma certa ditadura da felicidade que obriga a que pessoas, como o Pedro, façam o esforço de postar fotos a aparentar estar super feliz, quando na verdade está a viver um dos momentos mais críticos da sua vida, isso também impede os outros de se aproximar para ajudar para dar uma palavra, pode levar a pessoas que estão próximas não se tenham aproximado mais, reforçado o seu amor e carinho por acreditar que estava tudo bem. Por isso, e para qualquer outra coisa o SNS 24 lançou uma linha de apoio disponível no 808 242 424, ninguém está sempre feliz e ao saltos e não é preciso e isso é normal.


Caso queiram ouvir no Podcast fica aqui disponível:

segunda-feira, 1 de junho de 2020

Regresso ao mundo do trabalho real

 Hoje tive que voltar ao trabalho, em contexto real. Estive 2 meses e meio em teletrabalho e é algo que não apreciei muito.
Trabalhar de casa exige-nos o mínimo a nível pessoal e o máximo a nível laboral.
O mínimo porque dei por mim ao cúmulo de, por exemplo, apenas arranjar a parte visível do cabelo para reuniões de Skype. Ou seja, à frente um alisamento marroquino irrepreensível e atrás uma juba monumental, que ainda dava para tirar chocapics para o lanche do meio da manhã. Na parte de cima, uma blusa Mango coleção Executive, na parte de baixo pijama, que será brevemente convertido a panos de limpeza.

E obriga-nos a dar o máximo no trabalho porque qualquer distração depois obrigava a trabalhar já fora de horas, a estar em todas as frentes, email, skype, facebook da empresa, whatsapp, para ter a certeza que não ficava nada esquecido ou em falta. Uma correria virtual enquanto que o meu rabo estava assolapado em cadeiras que definitivamente não são ergonómicas e não foram concebidas para aportar rabos durante tanto tempo. 

Não gostei muito também porque moro num t1 com vista para nenhures, em que o escritório é cumulativamente sala de estar, jantar, pseudo lavandaria e engomadoria, bar e ginásio. É assim um mil em um em 12m2. Como diriam os experts imobiliários é "aconchegante", e enquanto digo isto faço aquelas aspas com os dedos e um revirar de olhos que felizmente não dá para ver.

Enfim, de volta ao trabalho percebi que as sobrancelhas são o novo buço. E que as máscaras  o novo preto.
Pergunto-me se será moda para ficar, se for penso as rinoplastias vão cair em desuso enquanto que as lentes oftalmológicas que dá para ficar com os olhos azuis vão estar em alta. Também acho que depois disto vamos todos ter que poupar algum dinheiro para aquela cirurgia de correcção de orelhas, porque estamos todos a estagiar para Dumbos.
No caminho para o trabalho também percebi que as máscaras penduradas no espelho retrovisor são os novos terços, neste caso não basta só ter fé e mantê-las penduradas é preciso mesmo colocá-las, outra moda gira é as máscaras no queixo, usadas por aquelas pessoas que não estão muito raladas com o covid, estão mais em esconder aquela gordura que temos na parte superior do queixo. Não percebo como é que se acumula tanta gordura ai, sobretudo se há zona onde eu faço exercício é essa...
Só para terminar, dizer que a minha máscara no trabalho é preta.. e tem o formato daquelas proteções que se usam nos cães perigosos, se me virem no trabalho qualquer semelhança com um rottweiler é pura... realidade.

Para ouvir aqui:

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