Não imagino o que passam ou o que passaram no vosso pais de origem. Não sei se perderam família nas mãos de homicidas fortuitos, se acordavam e se deitavam com medo, se viviam petrificadas com os horrores massivos que estão a ser cometidos, mas imagino perfeitamente o fascínio europeu pela ideia de bonança e da prosperidade.
Contudo, o que venho contar-vos não é animador. Não temos armas nem guerras, mas em Portugal não estamos livres de morrer barbaramente nas mãos de ninguém como está estampado nas capas de jornais de todos os dias, muitos assassinos estão até a morar debaixo dos nossos tectos, aniquilando barbaramente as suas esposas, por exemplo. Deixem-me dizer-vos que os hábitos de violência domestica, no nosso país, estão tão enraizados na nossa tradição, como um galo centenário que temos em Barcelos. Não estamos livres de sermos agredidos gratuitamente e roubados no centro da capital, em plena luz do dia, como aconteceu com um dos meus melhores amigos, estamos bastante propensos ao desemprego e até à fome. Não é estranho assistirmos a pessoas que trabalharam toda a sua vida passarem fome, esticando até ao limite do inacreditável a sua reforma de 250€. E não só, não é difícil assistir famílias inteiras a fazer malabarismos extraordinários, saltando refeições com copos de água, tomando remédios dia sim dia não, fugindo dos senhorios, vivendo do auxilio das IPSS's e da bondade dos vizinhos.
O nosso pior cenário pode ser o vosso paraíso idílico, acredito que sim, mas gostava que tivéssemos mais a oferecer do que aquilo que realmente temos. Vi ontem, no Porto, um rapaz da minha idade, uma pessoa normal e vestida normalmente, a abordar envergonhadamente uma ou outra pessoa na rua, a pedir comida e senti-me mortificada com aquela imagem, pela expressão do jovem que espelhava nos olhos a vergonha e tristeza pela condição que estava sujeito.
Ver aquilo fez-me acreditar que temos muito pouco para dar até aos portugueses e que por isso não vos podemos iludir com a mentira da bonança e prosperidade, porque pode não ser o que irão encontrar. Encontrar trabalho é difícil, para alguém que fala a nossa língua, tem licenciaturas e doutoramentos, imagino a dificuldade de um estrangeiro. Falo da experiência que conheço, que provavelmente acabarão a trabalhar duramente a troco de escassa retribuição, que certamente não é o que almejam nesta "promessa" de sonho europeu.
Será que podemos dizer convictamente "venham! nós cuidamos de vós" sem risco de vos estarmos a mentir na cara? Será que vamos estar à altura de vos ajudar? Ou de apenas de vos dar um abrigo temporário, o qual abandonarão para os países fortes, assim como nós estamos a ter que fazer, para ter uma vida digna? Não estou a falar que os portugueses saem de cá para satisfazer caprichos de consumo, não, falo-vos de poder viver condignamente, para poder pagar as contas do mês.
Será que aquele rapaz que vi ontem se sente protegido no nosso país? Como podemos prometer protecção se os que cá estão também pedem nas ruas para comer?
Não sejamos hipócritas. Não podemos prometer mentiras. Se vierem para Portugal não vos posso prometer mentiras e contos fabulosos de vidas extraordinárias. Não vos consigo garantir que consigamos cuidar de vós ou que não acabarão frustrados ao fim de meio ano. Eu própria me sinto, como conseguiria ser desonesta convosco? Não vos posso garantir realização profissional ou estabilidade financeira, porque a maioria de nós também está nessa cruzada. Queria poder ajudar-vos e prometer que aqui estão seguros, que aqui vos vamos oferecer aquilo que tanto almejam, mas não posso. Sei que até nos podemos organizar, arranjar casas para habitarem, mas e depois disso? Conseguiremos garantir realmente integração na sociedade? Garantir emprego? Criar capacidade para subsistirem dignamente?
Se vierem a única coisa que posso prometer é braços abertos, porque estarão num país que luta até para conseguir cuidar de si próprio.
*Desculpem a agressividade, mas aquela imagem ontem desestabilizou-me.