Ter sanidade mental, estabelecer um rumo, ter os pés bem assentes na terra parece algo relativamente exequível, ao alcance de todos, mas é mais difícil do que se possa imaginar.
Pois que é fácil de perceber que algumas pessoas andam completamente perdidas, absortas da realidade.
Ontem atendi um jovem de 31 anos, que já tinha vindo à consulta há dois anos. Há dois anos confessava-me que o seu objetivo de vida era começar ali uma carreira como jogador de futebol profissional. Quase que isto chega para tirar 20 ilações. Ontem voltou, com manifesta ansiedade e perfil depressivo, parecia "fora do ar", como se estivesse "só à superfície", aquele estado que pode ser provocado pela medicação e o deve ajudar a controlar estas questões, mas não deixo de pensar que aquela pessoa tanto está bem, como daqui a nada lhe pode dar assim qualquer transtorno, que aquela pessoa conduz e eu não tenho a certeza que esteja 100% consciente e alerta de tudo o que anda a fazer, o que me deixa preocupada por quantos iguais a ele andem por aí. Pessoas ditas normais, mas que na verdade estão alienadas da realidade, com um julgamento distorcido e incapazes de estarem a 100% nas coisas.
Outros casos que vou conhecendo também nesta faixa etária são pessoas que parece que ficaram para trás. Não no sentido cognitivo, mas na vida. Pessoas que sentem que falharam a entrada no mercado de trabalho, por exemplo, que falharam relacionamentos ou que por nunca os terem vivenciado estas "ausências" geraram bloqueios nestes aspetos das suas vidas.
Eu conheço alguns casos (e desconfio que possa ser um problema de dimensões bem superiores ao que eu estimo, a afetar um espectro mais alargado) de pessoas com 30 anos que deveriam fazer realmente terapias, onde os ensinassem ferramentas do mundo real, de trabalho, de comunicação. Esta geração é a primeira em que esta incapacidade também é subsidiada pelos pais, que os querem proteger até que percebem que provavelmente a coisa foi longe demais. Nesse momento parece-me um pouco tarde para mudar padrões enraizados. Falo na primeira ou nas primeiras porque na geração dos meus pais isso não era opção, independentemente de existirem até limitações as pessoas eram obrigadas a enfrenta-las, porque o cheque do pagamento era uma necessidade vital o que, de certa forma, forçava a integração. Trabalhar, lidar com pessoas era uma necessidade, criar relações decorria naturalmente desse processo. Hoje sabemos que se nos quisermos refugiar atrás de um computador a vida "segue normalmente", arranjamos mil distrações, podemos trabalhar, comprar comida, gadgets. No que eu vejo agora falo de pessoas inteligentes, capazes, instruídas, mas que depois são absolutamente ineficientes em determinados aspetos da vida, que os condicionam em absoluto. São uma fatia rara da população, uma parte pequena (mas lá está posso estar a subestimar a coisa), mas andam por aí, sem rumo, pouco integrados, sem perspetivas e com falta de apoio e salvaguarda do Sns. A saúde mental deve ser uma preocupação, por eles e pelos outros.
2 comentários:
Tanta verdade nesta publicação! Obrigada por isto!
Olá Tânia, obrigada eu!
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