terça-feira, 10 de maio de 2022

[...]



Acho que nunca teremos ideia do que passa e do que sente uma pessoa trans. O desafio de ser-se olhado de lado sempre, do choque dos outros em pequenas escolhas, como a simples e básica ida à casa de banho.


Acabei de atender uma pessoa trans, um adolescente de 17 anos. Foi a segunda consulta, na primeira não querendo ser invasiva usei a informação de género para a ficha clínica e fiz por no discurso nunca definir o género, de modo a que fosse menos uma pessoa a quem se tivesse que justificar. Justificar por existir da forma que existe, por viver a vida que determinaram que teria que viver, mesmo se sentindo diferente.


Hoje abriu-se muito mais, falou concretamente dos desafios que esta condição trazia à sua vida, das dificuldades e pela saúde não ser a prioridade. Falou-me, sem aprofundar, que passava por coisas que são "chocantes" para outras pessoas, que tem problemas na escola, que vai reprovar de ano, mostrou-me fotos de desenhos de um homem a apertar o pescoço a uma mulher, falou-me de violência doméstica, de uso de drogas, na obesidade que decorre de um escape, que é a alimentação.


Falamos muito e com calma, definindo objetivos, materializando um plano de ação. Baby steps - dizia ele, baby steps. Saiu da consulta motivado e a dizer que eu deveria ser psicóloga. Há pessoas que só precisam de ser ouvidas, em saúde vemos muito isso. Ouvir aquela pessoa, compreende-la é muito mais eficaz clinicamente do que qualquer medicamento ou ação terapêutica.

É importante sermos empáticos e educarmos os nossos filhos para a diferença. Caso não tenhamos reparado somos todos assimétricos, nós próprios, como que raio podemos ser iguais a outra pessoa, menos ainda sermos todos iguais, pensarmos da mesma forma. Oiço o que fala, mas não imagino o que vive, não imagino o terror que sente, as lutas que trava. É fácil, de fora, motivarmos, darmos força e sermos positivos, mas sei que tudo se esfuma em pouco tempo.

Espero ter ajudado a mover um grão que seja numa praia solitária, que pode ser esta vida, com a convicção de que as escolas, a sociedade, deveriam ter um papel muito mais ativo na inclusão de todos. Todos nós podemos fazer a nossa parte.


 

Flickr Images